Alunos da PPN - UNIBH

29 junho 2006

Marcas de família

Da briga de dois irmãos do vilarejo de Herzogenaurach nasceram a Adidas e a Puma. DINHEIRO esteve na cidade para contar como a crise fratricida reinventou um negócio bilionário


Por fábio altman, enviado especial
a herzogenaurach

A Segunda Guerra Mundial deixou cicatrizes profundas na Alemanha. Na pequena cidade de Herzogenaurach, no coração da Francônia, ao norte de Nuremberg, o legado foi uma disputa shakespeariana. Em 1945, os irmãos Adi e Rudolf Dassler romperam a parceria, abandonaram a pequena fabriqueta de calçados esportivos que funcionava na lavanderia da mãe e foram tocar a vida. Adi criou a Adidas. Rudi inventou a Puma. Um pôs seu negócio na margem esquerda do rio Aurach. O outro, na margem direita. Naquele tempo, triste e cinzento, as pessoas olhavam para o chão, de modo a identificar as marcas nos pés. “Herzo” era Verona, cidade que serviu de palco para o romance Romeu e Julieta. Adi e Rudi lideravam os Capuleto e Montechio. “A cidade dividia-se entre os dois grupos, uns não podiam casar com outros, freqüentavam restaurantes diferentes”, diz a jornalista Bárbara Smit, autora de um livro a respeito da cisão. A explosão do marketing esportivo nas últimas duas décadas tratou de mudar essa história. Hoje, na cidade – 15.000 habitantes, sem estação de trem – adeptos da Adidas e da Puma vivem em comunhão. Na estrada que dá acesso ao centro, uma placa de orientação de trânsito indica a direção dos outlets e escritórios de cada uma. Indica, também, em uma demonstração de vitória do capital – e para muitos, suprema heresia – a loja da Nike. “Para mim, tanto faz”, diz o estudante Benjamin Grötz, de 16 anos, que jogava futebol (bola Nike) diante da superloja da Adidas com amigos da escola, na hora do almoço. “O importante é que os tênis sejam baratos, bons e bonitos.” A um quilômetro dali, uma alemã deixava a loja vermelha da Puma soçobrando sacolas. Estava com uma amiga norueguesa. “Hoje, a moda é Puma, mas antes foi Adidas”, resume. A globalização chegou a Herzo.

Globalização: na entrada da cidade, indicações para Adidas, Puma e - suprema heresia - Nike

Pode-se dizer que a batalha fratricida é coisa do passado – mas há indícios, sim, que ela ainda incomoda os pacatos cidadãos de um vilarejo cujo centro histórico parece parado no tempo. No museu municipal há uma exposição dedicada à produção de tênis na região. A recepcionista cobra o ingresso (5 euros) e rapidamente avisa. “Naquela porta está a Adidas e ali, na outra, a Puma.” Vêem-se chuteiras lendárias como a usada por Zidane na final de 1998 (Adidas) e a de Pelé em 1970 (Puma). Adidas e Puma não podem estar juntas, nem mesmo em uma retrospectiva afeita a atrair turistas durante a Copa, porque o rompimento dos irmãos Dassler foi delicado. No cemitério local, os túmulos também estão afastados. Até hoje, os mais velhos lembram do que ocorreu. Adi recusou-se a acatar as orientações do nazismo de Hitler, nos anos 1930. Rudi colaborou, fez campanha política, foi à guerra e até chegou a ser julgado depois dos combates. Tornou-se lenda, ainda, a notícia de que Rudi tentara seduzir a mulher de Adi, e desse imbróglio à la Nelson Rodrigues – Shakespeare é muito pouco – nasceram duas das maiores marcas esportivas do mundo (veja logo abaixo). A Adidas veste 7 seleções na Copa (inclusive a Argentina, que está hospedada na cidade de Herzo). A Puma, tem selo em 13 equipes. “O rompimento de Adi e Rudi foi como o fim litigioso de um casamento”, diz Ernst Dittrich, chefe do arquivo municipal. “Nunca saberemos de fato o que ocorreu, mas o legado é muito forte.” Herzo transformou-se na capital mundial dos tênis. Atualmente, há uma exposição urbana semelhante à Cow Parade de São Paulo. Em vez de vacas, o que aparecem nas vielas são calçados esportivos, cada um a seu estilo. Os Dassler reinventaram a vida do burgo medieval erguido no século XIII. Eles são homenageados com três nomes de ruas e praças (dois para Adi, um para Rudi). Em contrapartida, há apenas uma rua Goethe.




Adidas
Fundação: 1949
Fundador: Adi Dassler
Funcionários: 17.000
Lucros (2005): 768 milhões de euros
Vendas (2005): 6,9 bilhões de euros
Seleções na Copa: Alemanha, Argentina, França, Espanha, Japão, Trinidad e Tobago


Puma
Fundação: 1948
Fundador: Rudi Dassler
Funcionários: 3.900
Lucros (2005): 286 milhões de euros
Vendas (2005): 2,4 bilhões de euros
Seleções na Copa: Itália, Gana, Arábia Saudita, Irã, Rep.Tcheca, Polônia, Costa do Marfim, Paraguai, Suíça, Togo, Tunísia e Angola